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Divórcios

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 Às vésperas de completar 10 anos de casada, (re)pensar a relação é inevitável. Comigo isso acontece periodicamente: às vésperas do fim do ano, do meu aniversário e de todas aquelas datas que correspondam à oportunidade de se repensar, refazer-se, renovar-se, fechar ciclos e por aí vai.
 Já faz algum tempo, li um texto do Jabor (se é que é dele mesmo. Afinal, de 100 textos compartilhados, 101 atribuem ao Jabor, vá saber...) que falava sobre divórcio. Há algumas semanas, o texto reapareceu nas minhas redes sociais e concordei - mais uma vez - com o que ele dizia.
 Entre namoro e casamento, eu e meu marido somamos 19 anos juntos. Tenho 35 anos. Ou seja, mais da metade da minha vida eu compartilhei com ele. Revisitando as memórias que construímos, chego à conclusão a que o texto falava...ao longo dos anos, é certo que a gente (e o outro) muda fisica e emocionalmente. Nem eu e nem ele somos mais aqueles jovenzinhos entre 16 e 17 anos que tinham pela frente uma única certeza: a de que queriam chegar a algum lugar juntos. Por isso, inevitavelmente, de tempos em tempos, foi preciso romper com a relação que se tinha para adaptar-se ao novo ser que estava diante de mim e vice versa. É realmente imprescindível se divorciar várias vezes ao longo de um casamento/relação e estar disposto a casar/se relacionar de novo e de novo e de novo, só que com a mesma pessoa. O amor, sem dúvida, é fundamental, sustenta, aquece mas não basta em si mesmo. É preciso muito mais que amor para enfrentar a violência do tempo. É preciso saber que os caminhos, embora paralelos, seguem na mesma direção. É preciso apoio. É preciso cumplicidade. É preciso afago.  É preciso coragem. É preciso perdão. É preciso não ser preciso e ainda assim querer estar. É preciso reconhecer-se no outro sem deixar de ser você mesmo. É preciso dizer não. É preciso dizer sim. É preciso estar em silêncio, sabendo que o silêncio não é um barulho abafado e sim paz. É preciso aceitar que o tempo deixa marcas mas não tira a essência. É preciso ver que o pior momento pode ser a oportunidade mais incrível de ser feliz com o outro. É preciso esperar que a tempestade do outro passe e chover com ele se preciso. Por muitas vezes, eu quis que o tempo voltasse, eu desejei profundamente que fossemos como há 10 anos, que permanecêssemos intactos, exatamente como na história que li dia desses: não importava o que o protagonista fizesse, ele permanecia lindo, jovem, sem qualquer sinal de desgaste. Todas as rugas, preocupações e marcas que a vida lhe trouxera não o envelheciam. Quem se desgastava era o quadro com uma pintura de seu rosto. Que maravilha...tentador, eu diria. E olhando nossas fotos antigas, constatei a beleza do amor jovem, que o tempo ainda não corroeu, constatei o amor, a paixão, a ingenuidade, os sonhos, a vivacidade, tudo o que nos fez querer estar juntos. E por muitas vezes eu desejei tudo igualzinho, como se a vida não tivesse acontecido. Eu queria o amor em tela: parado, estático, imóvel, liso.  Porém, como uma epifania, eu compreendi que isso além de impossível, não me faria mais feliz. E reconhecer isso foi um dos divórcios mais difíceis pelo qual passei porque tive que me divorciar não do Giovanni, mas de mim mesma, abandonando a crença de que o tempo não é meu amigo, de que há certeza no futuro, de que não há beleza no cacto, de que um vaso quebrado não suporta flores. Compreendi com a força de um tornado aquela frase: "navegar é preciso; viver não é preciso". Somos resultado de nossas escolhas e algumas delas não foram as melhores mas foram as possíveis. Hoje, olho para trás e vejo (com muita alegria) o quanto soubemos aproveitar a vida. Hoje, olho para o presente e enxergo, entre uma ou outra mudança, os mesmos profundos olhos azuis que falam antes de sua boca abrir e reconheço, como nas fotos antigas, o mesmo olhar apaixonado com o qual fui agraciada só que agora com um adendo: há um muito obrigado por tudo o que conseguimos construir até aqui. Hoje, olho para o futuro e apesar dos muitos planos, já não tenho a petulância de achar que tudo acontecerá conforme o planejado. O tempo ensina que ser maleável faz a vida mais leve, as relações mais duradouras e menos estridentes. O tempo é um sábio amigo. E mesmo que nossos relógios despertem em diferentes momentos, em algum momento, a gente se encontra e o descompasso desaparece. Deixo aqui meu soneto preferido, que exprime exatamente o amor que sinto ao longo de quase duas décadas:

"Saberás que não te amo e que te amo
posto que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem uma metade de frio.
Eu te amo para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.
Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos as chaves da fortuna
e um incerto destino desafortunado.
Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo".
(Soneto XLIV; Pablo Neruda) 


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